Se eu soubesse cantar, pintar um quadro, compor uma canção. Mas eu não sei. Só (acho que) sei escrever uma ou duas coisas. Por isso escrevo isso aqui para você, Márcia:

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Wuluwait, de Ainslie Roberts.

Sabe, Márcia, a Morte tem aparecido para mim mais constantemente nesses últimos anos. Vi algumas pessoas bem queridas em caixões, esperando pás de terra, quietinhas, em seus derradeiros terrenos. Quando não isso, é corrente me pegar pensando Nela. Lendo sobre Ela.

Está escrito, não sei mais onde, que: “a morte torna-se o lugar em que o homem melhor toma consciência de si mesmo” e deve ser isso que acontece quando fico frente a frente com cada nova ceifada que Ela dá: eu tomo consciência de mim e isso é bem difícil porque tomar consciência de si é se dar conta que, de alguma maneira, essa consciência vai se transformar e que (assim me parece), nunca mais seremos esse alguém que somos agora (seremos outra coisa? seremos coisa nenhuma?). O mistério da Morte me deixa nervosa e eu tento pensar e raciocinar mas nunca saio da incompreensão.

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No fundo talvez não seja nada disso.

Talvez seja só eu com meus livros (que ocupam uns tantos espaços vazios que a vida-morte vai cavando) mais minhas ideias soltas, que são muitas, tentando problematizar a dor de ver alguém querido em um tempo que não consigo alcançar. Enfrentar a dor é uma coisa que, sempre que posso, evito (agora me parece claro) (existe quem não evite?).

Então que quando soube da sua morte, Márcia, fiquei imersa nessa total incompreensão, nessa dor, perdida e sem saber muito bem o que fazer com minhas poucas (mas bem fortes) lembranças de você.

Nunca tinha visto alguém tão novo morto. Muito menos alguém de minha convivência. Nunca perdi uma aluna ou aluno antes de você. Nesses dez anos de sala de aula foram muitos delas e deles passando pela minha vida, me deixando marcas (das mais diversas), alguns crescendo bem diante dos meus olhos e estão fazendo isso agora mesmo, enquanto dou F5 nas abas aqui abertas:  viajando, namorando, virando adultos nas suas alegrias e dores e tudo isso eu não poderei testemunhar em você e eu fico besta com essa constatação, você que queria ser cabeleireira e dona de uma ONG para ajudar pessoas carentes e esse pensamento que me atravessa me deita naquele mistério de dor e incompreensão que já te falei, já.

É isso, Márcia. É só dor, por enquanto. É dor estranha, dor que não se explica e que a gente vai sentindo enquanto espera a nossa hora de ficarmos quietinhos em nossos derradeiros terrenos.

Na minha esperança meio boba projeto que talvez a gente possa se ver de novo e eu tenha oportunidade de dizer as coisas que a gente vai deixando para depois diante das tarefas meio ingratas da vida, dizer que escrevi uma ou duas palavras para você como forma de organizar os meus sentimentos. Cartase. Talvez a gente possa rir da vida e que você possa me tranquilizar constatando, o que eu já de muito suspeito: a dor é só para quem fica.

Um beijo.

2 Respostas to “Se eu soubesse cantar, pintar um quadro, compor uma canção. Mas eu não sei. Só (acho que) sei escrever uma ou duas coisas. Por isso escrevo isso aqui para você, Márcia:”


  1. 1 Bia Madruga março 20, 2017 às 3:01 pm

    tristemente bonito.

  2. 2 Sarah Belamor maio 24, 2018 às 1:23 am

    Ah, finalmente pude ler algo que essa exímia escritora expressa através das palavras. Sinto muito pela partida dessa menina, bastante jovem pelo visto.
    Sublime visão da morte, ela nos espreita, para ter a certeza de que valorizaremos a vida.


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